segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Quando alguém lhe perguntava.

“Ai!” foi o que pensei. “Fica longe de mim!”;

O empurrei com toda força acumulada pelo meu rápido reflexo e levantei num pulo.

- Não pensa antes de agir, depois eu tenho que aturar as conseqüências.

Minha cabeça ainda doía. Meu hálito era tomado por um forte cheiro de vinho barato. As pontas dos meus dedos, fediam, delicadamente à cigarro amanhecido. Eu definitivamente, precisava de outro banho.

Dava pra sentir a vibração dos seus pensamentos. Eram rápidos, inconseqüentes e nojentos. Sua transpiração de uva vencida, suor encardido e ar de superioridade... o medo, o complexo, a necessidade de se sentir rejeitado por si mesmo. Fazia parte do disfarce, da fantasia, do seu mundo sem graça, que ele fazia tanta questão que eu compartilhasse.

Eu olhei por quarto ao lado. O vulto escuro e quase imperceptível da respiração calma e profunda. “Desgraçado”... e mesmo sabendo que a culpa era toda minha, fiquei contemplando o rancor que alimentava os resquícios de orgulho que eu guardava tão bem. Era o meu momento.

- Desculpa... - Minha atenção foi restabelecida. Os segundos, que para mim foram infinitos, me impediram de assimilar de imediato a manipulação proposta, que agora estava quase por completa. – Mas você é tão linda e...

- Tudo bem. Isso acontece comigo com uma certa freqüência...

- Mesmo assim, EU não costumo fazer isso... foi tudo tão espontâneo e a maneira como você fala...

- Eu já disse que não tem problema. – Sua expressão era de espanto, arrependimento, mais seu coração não me passava receio. Ele implorava por uma sensação de liberdade, se ele achou isso em mim, ou estava de certa forma procurando, estava perdendo um tempo precioso.

Eu continuava em pé sem saber muito bem o que fazer. Estava desconfiada, com aquela sensação de novo. “Caralho... Odeio me sentir assim” um abismo de coisas passavam pela minha cabeça, por um momento achei que minhas forças me abandonariam, mas os meus sentidos simplesmente chamaram a atenção para cama preparada pra mim no cômodo ao lado.

- Por favor, não vá.

E como um banho de água gelada, recuperei-me do transe, e deixei pra lá um pouco o sentimento de culpa. Um assunto que eu deixaria pra mais tarde.

- É melhor eu ir pra cama.

- Por que? – Era ridículo. Aqueles olhos transmitindo tanta superficialidade, esvaindo futilidades me pedindo ‘por favor’, que eu ficasse, ‘eu quero te comer, mas não vou fazê-lo, vou respeitar minha namorada’. Aquilo sim veio como um relâmpago, e eu mordi meus lábios por algum tempo. – É por causa do Murilo? Escuta, eu sei que...

- Cala a boca.

- Se eu não tivesse te conhecido e visto a pessoa maravilhosa e doce escondida atrás desses olhos cor de amêndoas, eu teria morrido achando que você é a garota mais estúpida, ingênua e sem valor... pelo menos é essa a visão que o Murilo passa sobre a Clarisse, a garota que um dia fez parte de sua vida. Será que você não percebe? O que te dá na cabeça aparecer aqui, do nada, ‘dá’ pra ele e no outro dia ser tratada do jeito que ele costuma te tratar, como se não te conhecesse, com se você não fosse nada, uma prostituta que não foi embora depois do expediente, uma porra de uma garota mimada que não consegue levar um fora, um purgante que vive do passado, que engordou uns 20 kg nos últimos 2 anos porque não consegue controlar os próprios impulsos, que não tem livre arbítrio sobre os sentimentos, enfiou o amor próprio no meio da bunda e não consegue se valorizar. Pelo amor de deus, Clarisse, onde você escondeu sua auto estima? O que fizeram com você? Você não percebe que é um fardo na vida dele? Ele não te suporta! Só te agüentou até agora por respeito ao que já sentiram um pelo outro, algum dia, a muito tempo atrás! Ele é incapaz de respeitar a si próprio, como vai conseguir ter um pingo de consideração pelas pessoas? Principalmente você, que só diz o que ele evita escutar, fazendo questioná-lo a pior contradição que ele enfrenta dentro daquela cabeça dura: o fato de amar conversar com você e ao mesmo tempo, odiar a maneira como articula tão facilmente fragmentos dos seus pensamentos, sensações que ele esforça tanto para decifrar. Se ele pudesse, e quisesse, escolher alguém para amar, certamente escolheria você. Quem não te quer por perto? Linda, cativante, sedutora, sexy, diferente de tudo e todos que eu já conheci e certamente, ele também. Seu gênio irrita o Murilo mais do que qualquer outra coisa. Uma personalidade que ele nunca sabe se é forte o suficiente e fica constantemente com medo de tropeçar nos seus olhos dissimulados que revela tudo que ele não quer saber, sinceridades inconvenientes de mentiras que ele precisa tanto acreditar para viver em harmonia consigo mesmo. Deixa ele viver em paz? Ele precisa tanto disso. A quanto tempo essa sensação entorpecente é tudo que ele deseja desesperadamente. Se isso vai matá-lo ou não, entenda, não é mais da sua conta. ‘Será que está faltando espaço nesse mar?’, não é o que você se pergunta com tanta freqüência?

“Caralho. Odeio me sentir assim.” Um jogo que eu conhecia tão bem, e lá estava eu, caindo de novo nele. Abaixei a cabeça por um momento, contemplando o esmalte lascado, as unhas sujas e os cabelos oleosos que caiam sobre meus olhos, procurando respostas, esperando que um portal abrisse nas minhas mãos e eu simplesmente pudesse sair correndo dali. Teria dado certo, se a minha atenção não tivesse sido surpreendida por aqueles olhos grandes que me fitavam com tanta paciência.

- É. Talvez você esteja certo. – e falando aquelas palavras me retirei do quarto evitando pensar nas lagrimas que escorriam pela minha bochecha e tentando não errar o cominho da cama. Sai do quarto como se aquela decisão tivesse sido a melhor da minha vida.

E deitada naquela colchão fino sentindo um frio de mil agulhas insatisfeitas, eu tentava não pensar naquelas palavras amargas e convenientemente necessárias que acabara de ouvir. Se ele estava certo ou se estava dizendo aquilo pra ganhar minha confiança de alguma maneira, decidi que não ia me render a nenhuma daquelas manipulações baratas. Adormeci num sonho profundo, e sonhei com labirintos que nunca acabavam.

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